A pele é de um café forte, que deixa o cheiro
exalando pelo corpo como um perfume caro.
Aquela pele escura de café, mexeu com a
cabeça e com o corpo inteiro dele e até hoje ele se pergunta, por quê? Ele
embriagou-se com café, o espalhou pela cama e pelo corpo, sorveu do vinho que
encontrou em seus lábios, perdeu-se neles e na pele com gosto de café. Ela, vendo a confusão dele, sentiu que queria
mais, e soltou suas feras como quem solta seus cães para a caça, foi pra cima
daquela presa ferida e debilitada, fragilizada pelo cheiro e pelo vinho dos
lábios dela.
E ele delirou e nem nos seus sonhos mais
loucos poderia imaginar que o delírio era bom, tinha cheiro de café e gosto de
vinho, suave e vermelho rubi como um Romanée-Conti, e tão delicado como ele,
escolhido a dedo e feito para paladares apurados. Não é para qualquer um, nem
todos sabem apreciar aquele gosto forte e aquele baque surdo que se tem na
cabeça e que desce pro estomago e depois para as pernas aquecendo todo o seu
corpo até voltar e tomar o seu coração e subir pro cérebro e revirá-lo, te
colocar do avesso.
Suas feras soltas encurralaram a presa e de
repente ela virou não uma, mas três ou quatro mulheres diferentes, cada uma com
um gosto distinto que se completavam e se igualavam. Aquela fera era ela, preta
com os lábios vermelhos. Louca e do avesso. Transviada. Ou viada a depender de
quem esteja lendo. Mas ela era assim, um trem pesado andando nos trilhos
conhecidos e dominado por ela, mas que ao mesmo tempo sabia ser leve, fluida e
livre como a água de um rio que corre atrás dos jeitos que a vida dá. Aquela
fera era ela. Cheia de dedos, de mãos, de dentes.
Preta. Colorida. Quente, borbulhando.
Mulher e fera misturando-se e completando-se
como órgãos vitais e pulsantes.
Mulher de pele sedosa, gostosa de tocar e cheirar
e que davam vontade de ter tantas mãos como ela, tantos dentes quanto ela, pra
poder morder, pegar, arranhar aquela carne macia, tenra, despedaçar e espalhar
os pedaços pelo lençol de linho branco e deixa jorrar seu sangue vermelho rubi
como o vinho dos seus lábios e ver aquele vermelho se espalhando pelo lençol,
fluindo como um rio e caindo ao chão em gotas grossas para então transforma-la
em fera ferida, domada e subtraída.
Quem dera, pudera eu sair desse delírio e
domina-la, tê-la só pra mim e fazer dela a minha carne, o meu corpo e alma, mas
ela é mulher, e ela tem essa fera dentro dela que rugi, selvagem, e me deixa
mole e tonto, embriagado. E toda vez que eu me deito sem ela é nela que eu
penso até me desligar e nos meus sonhos seus lábios de vinho estão sempre a me
perguntar: “Voulez vous coucher avec moi ce soir?”.