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Mostrando postagens de abril, 2020

Você é fim de tarde

Você é uma poesia preste a ser parida. Prestes a ser engolida como a saliva de quem tem a boca seca, como a parada cardíaca de quem não cometeu excessos. Você é a personificação da licença poética, a calma de observar os pássaros que comem goiaba, o eco de uma mãe que soluça o nascimento do primeiro filho, a lágrima da adolescente que recebeu sua primeira carta de amor, o gemido de uma mulher quando goza. Você é o abraço de irmãos que não se vêem há anos, o colo de avó que acaricia a neta, o fim de tarde ouvindo o conselho dos nossos mais velhos. O primeiro bolo que não sola. Você é o sorriso da primeira composição de uma artista, o grito da menina de quatro anos que faz um gol, o suspense do homem que sabe ser inocente, a satisfação de quem aprendeu a nadar. Você é os primeiros passos do bebê, o sim do casamento, o olhar de cumplicidade entre melhores amigas. A risada da criança tomando banho de chuva. Você é o canudo do diploma da formatura, é a sensação do açúcar descendo pela lí

Meus pés pedem a terra e o meu corpo pede o sol.

Dias de quarentena de mim. Um olhar na barriga, outro no peixo e três no gato para não se perder dentro dos cômodos de casa. Um excesso de mim mesma e a única saída é esvaziar, deixar que o Eu desague, manso, leve, firme. A luz do abajur cega meu sentidos tortos e nublados pelo respirar fora de órbita. Meus pés pedem o chão. Toda eu sou feita de sonhos e teorias de conspiração neurótica. nada lúcido viver como quem sabe seus traumas, mas não os cura. Aterrar. Aterramento. Meus pés pedem o chão. Minhas raízes ora estão aguadas demais, ora secas e poeirentas. O que será que isso tem a ver com a minha mãe e avó? Que estranhas as entranhas da vida que solidificam meus nervos e evaporam meu sangue sem que esse caia na terra. A terra me expulsa de mim? O rio se retira do meu suor? As matas secam nos fios dos meus cabelos crespos? O que será que isso tem a ver com a ancestralidade que me sustenta e me põe de pé? Quantas são as mãos que me carregam e quais cores elas tem? Meus pés pedem a

Puberdade da vida adulta

Um dia eu vou me livrar da síndrome de ser perfeita. Não quero mais ter pretensões de maravilhosidade pré-fabricada. Um dia não me importarei mais com a multidão. Por enquanto sigo sendo esse minúsculo ser, cheio de pequenas maravilhas não fabricadas e recém descobertas. Tenho vinte e seis. Me acho mais madura agora, amanhã talvez não. Um dia, quem sabe, não me deixarei levar pela correria do dia, que me tira de mim e me joga no absoluto silêncio de quem não vê o tempo passar. Volto a ter os sonhos de criança e dores de nascimento que me dizem estar tudo bem, que é um processo chegar na puberdade da vida adulta. Só se aprende caminhando. Enquanto os hormônios me bulinam o corpo,  traço rota de fuga cantante e circense em meu coração de carne. Bailo meus defeitos e  coreografo a imagem que construí de mim mesma. Crio meu próprio espetáculo com aquilo que sou e humanamente aceito aquilo que me tornei.