Todo
dia tem sido um péssimo dia para ser negra no Brasil.
O
sentimento é ainda pior quando se é militante e empoderada.
Esse
é um assunto que venho querendo escrever já há algum tempo, mas me faltava
"coragem". Vai ter pouco sentido (talvez), mas vou colocar tudo pra
fora.
O
processo de desencantamento do mundo para nós, mulheres negras, acontece muito
cedo: logo na infância percebemos que não somos e nem seremos a preferida e que
não vai ter príncipe nenhum, muito pelo contrário. Para nós é reservado o
espaço das empregadas que nem se quer são nomeadas de Cinderela. Entretanto, na
infância, esse desencantamento ainda é mascarado pelos sonhos infantis. Há
sempre esperança para as crianças. Quando crescemos e começamos a perceber as
relações de poder e hierarquias sociais aos quais somos submetidas (todas nós,
brancas e não brancas, mas em especifico as mulheres negras), entendemos que o
mundo, e a sociedade em si, é dividida e pretende manter essa divisão.
Não
satisfeitas com isso, conhecemos pessoas, teorias e histórias que visam o
combate a essa hegemonia. Começamos então o processo de conscientização pessoal
(e coletiva).
Ao
passo que aprendemos e militamos, mudamos nossa realidade e a realidade de
alguns ao nosso redor (de alguma forma isso acontece e alguém sempre é
alcançado).
Eu,
mulher negra feminista, percebo que ao me empoderar e lutar pelos meus
direitos, denunciando qualquer tipo de opressão e auxiliando outras irmãs a
trilhar seus caminhos, cresço e aprendo cada vez mais. Todo dia os meus olhos
se abrem para uma nova perspectiva e eu obtenho um novo olhar sobre o cotidiano
(daí a gente vê racismo e machismo em tudo, porque tudo tem racismo e machismo.
É intrínseco, são estruturas e estruturantes da nossa sociedade.).
O
problema que quero falar aqui é: como o fardo da militância é pesado e como a
militância pode nos adoecer.
Entendam,
cada vez mais você percebe os erros e tenta combate-los. As vitórias vão
chegando, poucas, pequenas e as vezes tímidas, mas elas acontecem. No momento
em que você vibra por uma conquista e acha que as coisas vão caminhar, vão
mudar.... BAM! Outra situação opressora acontece e quase tudo volta a
normalidade. Você percebe que o trabalho de formiga ta longe de acabar. E então
começamos a nos perguntar o porque das pessoas não entenderem que tal atitude é
racista/machista/homofóbica, quando se está na cara que aquela atitude fere a
dignidade de alguém. Fere o sentimento de ser humano.
O
dano psicológico tem acontecido.
Muitas
mulheres militantes de causas sociais, e aqui eu faço o recorte para as
mulheres negras feministas (meu local de fala), tem passado por dificuldades
enormes, com o emocional e o psicológico extremamente abalados, agora não
"apenas" pelo machismo e o racismo, mas pelo duro trabalho que é
combate-los e viver com altos e baixos nessa guerra. Vivemos com medo de morrer
na próxima esquina, ou por sermos negras, ou porque alguém não gosta do que nós
falamos.
E
as vezes a gente se pergunta se o empoderamento é o melhor caminho, se talvez a
ignorância não é mesmo a bênção. E se perguntar isso dói.
O
sentimento é de impotência, de cansaço. E só quem trilha esse caminho
diariamente vai entender isso.
Não
tenho mais como continuar esse texto, mas já valeu até aqui o desabafo.
Eu
espero e desejo força para cada uma de nós, mulheres ou não, militantes ou não.
Que não tenhamos medo da nossa militância, mas que encontremos nela conforto e
força pois sabemos que na inercia nunca houve revolução.
E
para as minhas irmãs, uma prece: vamos cuidar uma das outras, porque se não nos
cuidarmos, seremos destruídas.
Vida
longa ao povo preto! Vida longa às mulheres! Vida longa às mulheres negras!
Se
empoderar ainda é lindo! Nos mantermos fortes, fará com que continue sendo.
Em
19/06/2015 publicado na página Feminismo Sem Demagogia.
Editado
em 02/09/2015