Dizer que ela precisa sair desse estado de torpor já nem é mais interessante. Parece que a moça entrou em coma, vai sendo coadjuvante na própria vida… Um certo acomodamento com as coisas, um deixar pra lá, como quem já viu de tudo e hoje não se surpreende com nada.
Mas antes de eu chegar aqui não lembro de ser assim. Quando ela era pequenina, deste tamanho aqui. Dizia que ia conquistar o mundo! Tu precisava ver! Tinha um brilho nos olhos, um fogo… foi crescendo e a gente, que tava por perto, esperava ver o fogo subir, iluminar o céu igual fogos de ano novo e copa do mundo, mas quá!
Ninguém sabe o que aconteceu! Do nada o rojão foi murchando, molhou.. a gente nem sabe o que ocorreu, parece coma mesmo, sabe? Aliás, coma não senhor.. que no coma a pessoa não ta consciente, ne???? Ela nem pode falar com a gente, nem a gente sabe se ela pode escutar também, fica lá, deitada só sendo cuidada pelos médicos.
Essa menina não. Quem olha, assim de longe, sequer saber desse torpor, sequer percebe. Acha que é uma menina normal, de boa com a vida, alegre. Não ta na cara, sabe? A apatia não ta escrita na testa, pelo contrário.
Ela mais parece aqueles morto vivo.. que vai vagando, que topa o que aparece em busca de conforto.
Ah, é esse o nome que eu tava procurando, rapaz! A tal da zona de conforto, é assim que fala, ne? Eu mesma não sei o que é isso, nessa vida difícil que tive não deu tempo de ter conforto, sabe? Muitos filhos pra criar, nem cheguei a dar
muitos tapas nos netos, tive logo que partir. Mas eu lembro bem dessa daí… corria pela casa, pegava escondido bala do meu altar de São Cosme e Damião mesmo com as broncas que recebia. Depois ia correr pela roça atrás das galinhas ou tentar subir nas árvores. Pequena que só, ela e a irmã.
Agora eu fico de cá, só observando. Essa entrega sem pensar em si, esse medo de se olhar no espelho… ne espelho desses de que se arrumar não, é o espelho da alma mesmo. Preguiça de ser e estar no mundo.
Ela nem percebeu ainda que ta perdida e fica sem rumo na vida, só passeando na zona de conforto.
Eu queria poder ta lá. Acho que eu tinha muita coisa pra ensinar, coisas da vida, sabe? De como é foi duro deixar tudo pra trás. De como foi duro não ter tempo de cuidar de mim com tanto a filhos pra olhar. Dizer como foi enterrar filho antes que este pudesse ter tido tempo de viver…
Se eu tivesse lá, talvez já tivesse dado uns dois puxões de orelha pra ver se ela deixava de viver na cabeça e vivia a vida que ta passando. Se entregar, sabe?
Acho que a menina ta tão perdida e precisando de colo que só eu voltando pra ver se dá jeito.
Bom, de cá, eu espero que ela ouça meus sussurros no pé de ouvido. De cá eu desejo muita vida, a que eu não tive e que ela tem tudo pra ter.
Aláfia, minha neta. Que Deus te abençoe!